
Breve introdução à Religião Celta
Religião Céltica. Entre o século IX e o século VI a.C., os povos e tribos Celtas, do ramo linguístico indo-europeu, espalharam-se em vastas e diferentes vagas migratórias dos seus lugares de origem, na Germânia meridional, na Boémia e na actual zona fronteiriça suiça-austríaca, para a Gália, Ibéria, Galicia (hoje na Polónia), Itália (em 390 a.C. conquistaram Roma), Heládia, Ásia Menor (hoje região turca da Anatólia onde fundaram o Reino dos Gálatas) e Lusitânia. Embora no litoral da Lusitânia os Celtas se tenham misturado com as populações nativas aí há muito estabelecidas, no sul da Lusitânia e no reino dos Cónios, eles chegaram a estabelecer principados independentes embora sem nunca terem fundado um Estado unitário em qualquer lugar. Hoje em dia, já só restam traços vagos da sua presença e cultura pelas terras por onde andaram, contudo diferentes dialectos originados da antiga língua dos Celtas ainda se falam interruptamente na Irlanda, na Bretanha, Gales, Escócia, ilha de Man e (neste caso reconstruído) na Cornualha. Na Lusitânia hoje só algumas regiões do litoral centro, parte da província do Ribatejo e o norte da região do Alentejo (distrito de Portalegre) , conservam ainda populações descendentes directas dos antigos Celtas. enquanto que na Beira interior (o coração da Lusitânia) os celtas foram completamente assimilados pelos lusitanos nativos. Contudo devemos recordar, que na antiga Lusitânia, paralelamente aos diferentes cultos celtas ou célticos praticados existiram cultos nativos próprios lusitanos muito mais primitivos e violentos que estes. Hoje na Lusitânia étnica existe uma pequena comunidade nativa lusitana (e não portuguesa) que reconstruiu antigos cultos nativos lusitanos e célticos mais adaptado aos tempos modernos, por exemplo o sacrifício de seres humanos está logica e rigorosamente interdito. Quanto aos pretensos cultos "celtas" praticados hoje em Portugal (e fora do âmbito da comunidade nativa lusitana) por diferentes seitas e grupos herméticos proto-cristãos satânicos, wiccanos ou "druídicos", devemos dizer que eles não passam de uma farsa ao serviço de certos cultos pessoais ou quanto muito duma péssima "reconstrução" da antiga religião céltica.
Estudo e investigação. As referências mais remotas à religião dos Celtas encontram-se em Aristóteles, César, Luciano, Dion Cássio e outros autores antigos, e na era cristã em escritores eclesiásticos como Gregório de Tours e nas lendas dos santos. O interesse pelas sagas célticas foi despertado nos tempos modernos pelo escocês Macpherson em 1760, o qual publicou as suas poesias como traduções do gaélico. Nestas tinha traduzido livremente para escocês lendas irlandesas atribuídas ao bardo irlandês Ossian, que viveu provavelmente no século III. Embora mais tarde fosse demonstrado que se tratava de uma mistificação, estas poesias influenciaram fortemente a literatura, desde Klopstock até o Romantismo. Desde então iniciou-se uma celtologia científica, que procura resolver os problemas difíceis da história da religião e das sagas dos celtas.
Fontes. Como fontes para o conhecimento da religião céltica, além dos autores já citados, incluem-se diversas inscrições da Gália e da Bretanha romana, monumentos, relevos, ofertas votivas e moedas de manuscritos encontrados na Irlanda, como por exemplo, o Livro de Leinster, composto no século XII, mas que contém material mais antigo, e o galês Mabinogion, aparecido em manuscrito no século XIV. Estes textos apenas podem ser considerados fontes indirectas da mitologia, uma vez que neles os deuses se tornaram reis, heróis ou feiticeiros. Outras poesias célticas também fornecem material considerável. Considerando o estado desse material ainda não é possível escrever hoje uma história da religião céltica, e os estudiosos devem limitar-se a reunir as esparsas referências num quadro geral, permanecendo sempre problemático até que ponto podem ser tomadas em consideração as fontes irlandesas, galesas, britânicas ou córnicas acerca dos antigos Celtas no seu conjunto.
Concepção do Mundo. Nada está estabelecido como definitivo sobre a ideia dos Celtas acerca da sua concepção do mundo. Se os druídas afirmavam ter criado o Sol, a Lua, a Terra e o Céu, sem dúvida que há que tomar essas afirmações como presunção sacerdotal ou pessoal; também os brâmanes diziam que o Sol não teria surgido se eles não tivessem oferecido sacrifícios sagrados. J.A. MacCulloch por exemplo, escreveu, "Mas nas sagas irlandesas, como na tradição popular, muitas partes do mundo - rios, mares, fontes, colinas, rochas, bosques, ilhas - aparecem como a criação dum gigante, de um santo ou de um elfo, os quais ocupam aqui a posição que o mito primitivo cabia a uma divindade. Quando Estrabão (IV, 4) por exemplo, referia como doutrina druídica que "a alma era indestrutível, assim como o Cosmos, mas um dia o fogo e a água terão a supremacia", queria indicar provavelmente a crença num curso cíclico do futuro universal e um periódico aniquilamento do mundo. Isto está de acordo com uma outra afirmação do mesmo autor, que os Celtas nada mais receavam do que o desabamento do céu. São também características a sua crença num mundo subterrâneo dos mortos em que há tormentos, mas que é antes uma "morada feliz", e a sua ideia de que no interior de muitas colinas irlandesas - por exemplo, na vizinhança do rio Boyne - existem magníficos palácios de fadas, que só alguns eleitos podem atingir, assim como também só estes podiam chegar às ilhas dos bem-aventurados: a "ilha da Maçã", Avalonis, e o país das fadas, Emain.
Poderes Ultraterrenos. Os Celtas veneravam os mais diversos objectos e as variadas forças naturais: Sol, Lua, mar, vento, fontes, montanhas, árvores, sobretudo o carvalho, assim como determinados animais, aos quais eram atribuídas faculdades sobrenaturais; entre os deuses com personalidade claramente definida, César cita Mercúrio, Apolo, Minerva, Júpiter e Marte. Não se deve pensar que estes correspodessem aos deuses romanos do mesmo nome, embora César tivesse considerado muitos deuses celtas como diversas manifestações de um deus romano. Quando mais tarde César refere que os Celtas criam descender do Dis pater, isto é, Plutão, soberano do reino subterrâneo, isto pode ser interpretado segundo a concepção, também frequente noutros povos, de que o homem deve a sua existência a um deus da vegetação que habita sob a terra e ao qual retorna depois da morte. Isto é também confirmado pelo antigo deus irlandês Donn. Muitos identificam-no com o deus Cernunnus, representado com a forma humana mas com dois cornos na cabeça. Entre os deuses celtas conheciam-se por diversas formas: Teutates, o rei do povo, que corresponde mais ou menos a Marte; Esus, cujo nome está possivelmente relacionado com a palavra alemã "Ehre" (honra), e daí o ser traduzido como "digno de honra"; Taranis, o deus do trovão; Ogmios, segundo Luciano, é comparado a Hércules, mas corresponde a Mercúrio, segundo César; na Irlanda era venerado como patrono da escrita e da poesia. O "bom deus", Dagda, provavelmente um deus da fecundidade, e Lug, que é também um deus do trabalho manual. Em sua honra celebravam no 1.º de Agosto, em Lugdunum, uma festa, e os irlandeses, no mesmo dia, em Lughnasadh (festa de Lug). O número de divindades femininas é grande, como Brigit, filha de Dagda, deusa da poesia e da medecina, e Epona, deusa dos cavalos. Muito popular parece ter sido o culto duma tríade de deusas-mães, que protegiam as famílias e as casas. Havia também ninfas da água e outros seres femininos reunidos em grupos.
Culto. Era primitivamente exercido ao ar livre, em bosques sagrados, e os deuses, segundo parece, eram representados com feitiços rudimentares ou símbolos (colunas de pedra); por exemplo, na Gália, na época romana, foram erigidos também templos com imagens divinas artísticas, o que já não aconteceu na Irlanda. Sacrificavam-se animais e muitas vezes também pessoas, em honra de alguns deuses, com o propósito de afastar carências, doenças, derrotas, etc. "De facto acreditavam que só se podia aplacar a majestade dos deuses imortais com vida humana por vida humana, e por isso organizaram sacrífios públicos deste tipo", escreveu César, e no mesmo trecho recorda (De Bello Gallico VI, 16) que os gauleses tinham figuras de enormes dimensões tecidas de vime, cujos membros eram cheios com homens vivos. Estas figuras eram depois lançadas às chamas. Também o canibalismo, segundo opinião de numerosos autores antigos, era praticado com fins terapêuticos e cultuais.
Sacerdócio. Os sacerdotes privilegiados dos Celtas, em cuja casta se era recebido não por hereditariedade mas por educação, cultura e noviciado, eram os druídas. A palavra não tem relação - como pensava Plínio - com uma palavra grega muito semelhante, irlandês "deruo" (= carvalho), mas significa, segundo Thurneysen, "os que conhecem intensamente" (= os sábios). Estavam isentos do serviço militar, pagamento de impostos e gozavam de tão elevada estima que a sua palavra bastava para aplanar quaisquer desentendimentos. A sua ocupação principal consistia na oferta de sacrifícios. Quando excluíam alguém do sacrifício, este ficava também banido da vida social e económica. Segundo César, o Druídismo teria nascido na Britânia e de lá levado para a Gália. note-se que a ser verdadeira esta afirmação, isto impossibilitaria a entrada do mesmo na Lusitânia e na Ibéria por exemplo. Contudo, muitos estudiosos consideram insustentável esta hipótese e afirmam precisamente o contrário; outros ainda pensam que o Druídismo era de origem pré-céltica, uma tese defendida por nós Lusitanos por exemplo, e depois teria sido acolhido pelos Celtas nos territórios onde se estabeleceram. A par dos druídas, hierarquicamente organizados, existiam também sacerdotes e adivinhos (seer) de ambos os sexos. Segundo parece, a doutrina dos druídas ocupava-se dos problemas universais. César refere: "eles discutem muito sobre os astros e o seu movimento, a grandeza da Terra e dos países, a natureza das coisas, o poder e a zona de influência dos deuses imortais e comunicam estes conhecimentos à juventude".
Ética. Como quinta-essência da ética, Diógenes Lárcio põe a proposição: "devem honrar-se os deuses, não fazer o mal e mostrar um procedimento viril". Pensava-se que determinada pessoa devia cumpri certos actos e abster-se de outros. Quem se subtraía a tais obrigações (geis) era castigado pelo destino.
Representação da Vida depois da Morte. Os Celtas estavam profundamente convencidos da indestrutibilidade da alma e diziam: "a morte é apenas o ponto médio duma vida longa". Parece que emprestavam dinheiro com a convição de que o receberiam na outra vida. A sua doutrina da metempsicose, segundo autores antigos, remonta a Pitágoras e teria sido transmitida aos Celtas pelos Trácios. Isto é pouco verosímil, uma vez que tal teoria se encontra nos mais diversos povos. Por outro lado a doutrina dos Celtas parece afastar-se da de Pitágoras, visto que a reencarnação não é considerada expiação de culpas precedentes. Pelos relatos limitados até nós chegados não podemos ainda saber se a alma era na nova vida recompensada pelas boas acções praticadas na existência precedente ou punida pelas más. Sabemos hoje também que os antigos Celtas colocavam nas sepulturas, junto dos mortos, os objectos que lhes tinham sido úteis em vida; Pompónio Mela conta que muitos se atiravam com entusiasmo para as fogueiras a pedido dos defundos para se unirem a eles. Isto demonstra, juntamente com a já citada crença num mundo subterrâneo dos mortos, que entre os Celtas, assim como entre os Lusitanos, a doutrina da metempsicose andava ligada a outras concepções mais antigas.
